Ah, essa minha mãe...
Como quase todo mundo, lembro pouco de minha primeira infância, aquela até os 6 anos de idade. Acho que é porque, nessa fase, temos poucos neurônios, cabeça pequena, sabe como é…
Mas, como nos mudamos de casa quando eu tinha 5 anos e, depois, aos 7, isso facilitou para que eu gravasse alguns eventos.
Alguns bons eventos e outros nem tanto, e…tem aqueles um pouco traumáticos.
É o caso de penicos. Tenho trauma de penicos e vou contar porque…
Bem, lá em casa, obviamente, usávamos penico. Não sei bem a razão, porque morávamos em um bairro totalmente resolvido em termos sanitários e nossos banheiros eram tal qual os de hoje. Isto é, não havia razão qualquer, senão o costume, para que ainda usássemos penicos.
Acho que minha mãe os usava para não ter de nos levar um a um ao banheiro. Afinal, era só puxar o penico debaixo da cama e os pintos prá fora dos pijamas.
Aliás, lembro-me muito bem disso: no meio da noite, quando eu não encharcava meu colchão de xixi e conseguia acordar, eu ficava gritando "mãããe, eu quero fazer xixiiiii".
Se bem me lembro, eu mesmo não puxava o penico ou ia ao banheiro, por puro medo. Naquela época era bastante comum os mais velhos contarem histórias aterrorizantes para as crianças. Era cada história cabeluda que à noite a gurizada não ousava sair da cama.
Éramos quatro, os 3 maiores, e uma irmã pequena, que, na época do ocorrido, tinha seus ínfimos 3 aninhos. Aos 3 anos, somos literalmente um bebê que caminha e fala algumas bobagens, mas, como diziam os nossos pais, já fazemos "arte".
A Leca (apelido de minha querida e já falecida irmã Lorena) era esse bebê.
Eu, com meus "maduros" 6 anos, já havia criado meus mecanismos de sobrevivência frente aos dois irmãos maiores e também, eventualmente, forçava a barra com a menor.
Naquele dia, estávamos em nosso quarto. Era um típico quarto de meninos, com um beliche. Eu, sendo o menor dos três irmãos, é claro, fiquei com a cama de baixo. Uma droga, pois menino gosta mesmo é de altura.
Debaixo de minha cama ficava o nosso penico que, naquele dia, já havia sido calibrado.
Estávamos os quatro irmãos, sentados ao entorno de minha cama, com minha mãe orquestrando os assuntos.
A coisa estava animada e, numa dessas, sei lá porque (não há como lembrar), resolvi pegar no pé de minha irmãzinha e passei a insistir que ela era bobona. Bem assim mesmo: "a Leca é bobona, a Leca é bobona…"
A minha mãe, que não era santa, havia me incentivado a esse comportamento, botando pilha. Achei um pouco estranho, mas, com seu apoio, achei que estava mandando bem.
Ao mesmo tempo em que ela me incentivava a insistir no cântico "a Leca é bobona", ela orientava a minha irmãzinha a pegar o penico debaixo de minha cama, ajudando até mesmo a segurá-lo, afinal, não era uma operação simples para uma criança de 3 anos.
Eu, absolutamente descrente de que minha mãe deixaria minha irmã fazer tal insanidade, seguia meu cântico. Afinal, mãe é mãe e sabe o que é certo e errado!
Mas não é que a véia louca não só deixou, como orientou toda a vingança daquela pequena e inocente criatura?
Eu fui lavado do xixi mais amarelo e fedorento que já vi e forçado a degustar vários goles daquele líquido nojento.
Imediatamente calado pelo banho, fiquei atônito com a situação, enquanto minha mãe e meus irmãos riam em loucas gargalhadas. Era tudo muito estranho. Uma situação totalmente distópica para mim.
Aquele xixi fedorento, além de encharcar meu corpo e meu orgulho, ensopou meu colchão e o chão do quarto, mas, ainda assim, minha mãe ria.
Eu não conseguia entender, pois era para ela ter impedido ou, se não conseguisse, que ficasse louca com o ocorrido, mostrando de pronto o quão errado aquilo tinha sido.
Mas não. Tudo à avessas.
Nunca consegui processar isso. Nunca achei que eu tivesse sido tão ruim a ponto de merecer aquilo: o banho e a humilhação.
Me esforcei para tirar alguma lição daquilo, mas só o que pude concluir foi que não era uma boa insistir até o limite incomodando alguém.
Na verdade, parei de pensar e não lembrei disso durante anos porque não conseguia encaixar o comportamento louco da minha mãe.
Ela resolveu pagar o preço de ter de limpar um filho e um quarto para poder curtir uma zoeira.
Talvez a vida dela fosse monótona demais ou, talvez, ela só fosse uma mãe zoeirenta mesmo.
Gramado, julho 2022